Licenciou-se em Marketing e Publicidade, fez mestrado em Ciências da Comunicação, fez vários workshops de representação, peças de teatro, filmes, séries e novelas. Sol de Inverno é o auge de todo este trabalho?.(Sorriso) É bem capaz de ser, sim. Em televisão, é o momento que me tem dado uma maior exposição pública do meu trabalho. Pela estação que é e pelo produto que é, acaba por ser um projeto central para mim..O que é que esta novela traz de diferente e de inovador à ficção portuguesa?.Esta novela é muito bem escrita, muito bem realizada, muito bem editada, e isso, só por si, é essencial. Ali, em cada episódio, as coisas até correm rápido demais, e acho isso fabuloso, porque há sempre uma novidade qualquer e não andamos a pastelar. E não é por estar na novela, mas as interpretações dos meus colegas são, de facto, muito boas..Havia alguém com quem estivesse mais ansioso para contracenar?.Para mim é sempre uma ansiedade voltar a encontrar a Maria João Luís, com quem já trabalhei noutra novela. Tenho pena que as nossas personagens não se cruzem muito. Também a Rita Blanco, porque não a conhecia e porque é outra das cabeças de cartaz. Também não conhecia o Rogério Samora, que trabalha diretamente comigo, e estava muito curioso e com muita expectativa para ver como é que ia ser a minha relação com ele. E com a Lia Gama, que faz de minha mãe, senti a mesma coisa. É uma grande atriz e é um privilégio fazer de filho dela. Portanto, havia uma série de atores, para mim de referência, que me despertaram muita curiosidade. Acho que todos eles me surpreendem e sermos surpreendidos pelos nossos colegas diariamente é mesmo muito bom..Falando da sua personagem em Sol de Inverno, quem é o Nuno Mendes?.O Nuno Mendes é um gajo perfeitamente normal, tendo em consideração a questão da sexualidade e tudo mais. Às vezes, não me apetece falar muito nisso porque ele é um gajo normal, tem um negócio próprio, vive com outro homem, e isso hoje em dia é cada vez mais tolerado na nossa sociedade. É um homem muito carinhoso, com um grande espírito de família e muito profissional no trabalho dele..Acha que a primeira característica do Nuno que salta à vista é o facto de ele ser gay ou essa é uma forma preconceituosa de olhar para a personagem?.Sim, é preconceituoso. Tenho sido surpreendido, porque quando as pessoas me abordam na rua, eu penso: "Agora por causa da novela e da sexualidade, se calhar as pessoas vão ter uma abordagem mais agressiva..." Mas não, falam-me sempre mais na florista e perguntam-me: "Como é que vai o negócio das flores? É difícil com esta crise..." (risos)..Não costumam tocar na questão da homossexualidade?.Não. Claro que as pessoas sentem sempre essa fricção, mas, por exemplo, no outro dia, no supermercado, uma senhora com os seus 80 anos veio ter comigo e disse-me: "Eu gosto muito de o ver. Acho-o um rapaz muito carinhoso, muito querido. Pronto, lá tem aquela questão... mas eu gosto de si porque é simpático e é muito querido. E, já agora, mande cumprimentos ao Simão [Ângelo Rodrigues]" (risos). É bom ver que as pessoas, tolerantes ou não, simpatizantes ou não, criam uma empatia com a minha personagem..Já algum homossexual confessou sentir-se inspirado pela sua personagem?.Nas redes sociais, tem-me acontecido receber mensagens de alguns rapazes que têm essa abordagem um bocadinho mais sensível, de reconhecimento do trabalho para com a comunidade gay, mas pessoalmente não..Como é que se preparou para o Nuno?.Não me enchi de malas e bagagens para esta personagem porque achei que o lado sensível, da relação com o Ângelo, era o mais importante. O trabalho foi mais o de criar empatia entre mim e o Ângelo, criar uma sensibilidade, sem receio do toque e do olhar, porque às vezes é muito difícil aguentar um olhar romântico, sobretudo entre dois homens que não têm nenhuma relação. Sentires-te inibido e sentires que a outra pessoa está inibida é o mais complicado..E preparou-se para ser florista?.Sim, estive a estagiar durante uma semana com uma florista, a Flor, que trabalha sobretudo com encomendas na internet. Dispus-me a aprender tudo aquilo que eles me poderiam ensinar. Não só a decoração, mas mudar a água às plantas, tirar os picos das rosas, pôr no lixo, ou seja, ganhar uma dinâmica de funcionamento. E durante uma semana lá estive, a fazer arranjos. Acho que não venderam nenhum (risos). Mas por acaso ganhei alguns elogios do patrão (risos)..Faz par romântico com o Ângelo Rodrigues. Como é a vossa relação atrás das câmaras?.É boa, apesar de sermos atores muito diferentes. Ele contamina-me muito com o tipo de ator que ele é. Descontrai-me, acalma-me, ajuda-me a ser menos dramático, porque eu tenho esta coisa do teatro, do drama, da tragédia, da lágrima no olho... E eu às vezes dou-lhe uma dose de dramatismo (risos). É um equilíbrio muito porreiro..O tema da coadoção por parte de casais homossexuais também é abordado na novela. É contra ou a favor?.Eu sou a favor, obviamente. A partir do momento em que o casamento é aprovado, não percebo os questionamentos todos em relação à lei da adoção em si. Eu acho que devia ser permitido, ponto. Mas atenção, não pode ser permitido do género: "Quem quiser ponha a mão no ar." Qualquer pessoa que queira adotar deveria passar pelo mesmo processo de seleção que é feito para adotar uma criança, como ser submetido a testes psicológicos. Só que não sei se as instituições com as quais lidamos todos os dias estarão preparadas para encarar de forma normal dois homens ou duas mulheres como pais. Tinha de haver um tempo de ajuste para isso..É difícil ser-se homossexual em Portugal?.Sim. Não só em Portugal mas em todo o lado. Tens de assumir uma diferença e hoje em dia, apesar de a maior parte das pessoas querer ser diferente, é muito difícil seres diferente quando partes de um estigma social, de uma coisa considerada tabu, imoral. No meio artístico, por exemplo, a sensibilidade está sempre à flor da pele. Os atores, os músicos, os cantores, vivem num universo tão rodeado de uma mística sexual que se torna fácil. Mas se fores falar com um contabilista, um bancário ou um advogado, se calhar ele não vai dizer aos colegas todos do trabalho que é gay..Chegou a este projeto com ideias preconcebidas acerca dos homossexuais?.Eu vinha com medo daquilo de que me iam propor. Nunca quis fazer um boneco ou um palhacito, independentemente de ser gay ou não gay. E depois também estava com algum receio porque pensei: "Ai o que é que será que eles querem desta intimidade do casal?" Fiquei muito satisfeito ao perceber que há sempre um cuidado de passar uma química entre o casal sem precisarem de estar os dois em tronco nu, a suar e a arfar e a simular beijos. Esse foi um cenário que foi logo cortado. Claro que deve haver sexo, mas não se vê isso. O que está em primeiro plano é um sentimento, uma relação, uma criança. E, portanto, fiquei satisfeito..Não acha que o tema da homossexualidade está a ficar saturado na TV portuguesa?.Depende sempre da perspetiva em que é abordado. Em Sol de Inverno, são poucas as cenas cuja perspetiva seja a homossexualidade. Não há cenas de sexo, não há drama nem conflito sobre a homossexualidade. A perspetiva é a adoção por um casal homossexual e a reflexão sobre a atual lei e as perspetivas futuras. Aqui fala-se dos direitos do homem, das crianças abandonadas e da família. Há um universo complexo de temas por explorar, tal como existe em personagens heterossexuais.."Tenho medo de perder a capacidade de reagir".Sol de Inverno tem disputado o primeiro lugar da tabela de audiências com O Beijo do Escorpião, da TVI. Está a par da concorrência?.Nem a minha própria novela eu consigo ver em tempo real, tenho de pôr a gravar na box e puxar para trás quando chego a casa. Mas é engraçado perceberes que estás a ser acompanhado por uma concorrência que te obriga a não falhar tanto, a estar sempre em cima, a fazer melhor. Não sou espectador das outras novelas, mas às vezes vejo para ter noção do que está a ser feito e por quem..Não se preocupa com as audiências?.Eu não, porque não trabalho diretamente com elas. Isso eu deixei de parte no curso de Marketing. Mas acho que devem ser elementos de peso para uma estação de televisão..Então que preocupações é que tem enquanto ator? Sobreviver à crise?.Tenho duas opiniões sobre isso. Por um lado, acho que, artisticamente, os períodos de crise são muito frutíferos ao nível da criação, porque os artistas sentem necessidade de ter voz e acabam por despertar de um sono, de um adormecimento. Geralmente, a arte é feita por malucos, revolucionários e pessoas que têm sede de qualquer coisa. E esta coisa de insatisfação é muito propícia nas alturas de crise. Por outro lado, a crise, que não ajuda nos tempos de hoje. Não consegues fazer nada se não tiveres o mínimo de condições possíveis. Tens de sobreviver..Qual é o seu maior medo relativamente a este cenário?.Tenho muito medo de perder a capacidade de reagir. No dia em que eu me acomodar, acho que vou deixar de ser ator. Interiormente, tudo perde o sentido..Em televisão teve muitos períodos de escassez de trabalho. Como lidou com isso?.Acabei sempre por ser reativo e pensar: "OK, não tenho trabalho, então tenho de inventar qualquer coisa." Por exemplo, o meu trabalho na televisão não é um trabalho de grande continuidade. Eu faço uma novela e se calhar só me voltam a chamar passados dois anos. Mas a maior parte das coisas que leu no início, do meu percurso profissional, foram feitas em períodos de escassez de trabalho. Gosto de estudar, de meter-me num mestrado e de ouvir pessoas a contar as suas histórias. E até já pensei: "Ah, uma desilusão de amor agora era ótimo porque dava poesias lindas." Ou: "Estou tão feliz, que seca." (risos).É no teatro que se sente mais feliz?.O teatro não me permite muita estabilidade. Nem a longo prazo nem a curto prazo nem a prazo nenhum. Mas artisticamente sim. Eu adoro suar, transpirar, chorar, ficar com ranho, e acho que o teatro permite essa entrega. A televisão... (pausa) Eu gosto imenso de fazer televisão. Para mim é uma adrenalina, uma coisa que tem de fazer-se depressa e bem e acho que é um desafio para qualquer ator. E o cinema é talvez a área mais desconhecida para mim. Fiz uma longa-metragem, OsMistérios de Lisboa, e algumas curtas-metragens, mas para mim ainda é uma incógnita. Deixe-me escolher os três, pode ser? (risos).Eu deixo (risos). Neste momento, já conhecemos Rui Neto, o ator. Quem é o Rui Neto atrás das câmaras?.É um bocadinho cliché dizer estas coisas, mas o teatro é a minha vida. Já fui mais workaholic do que sou agora, mas o Rui Neto sem ser isto é alguém que está sempre a pensar nisto. Ah, mas gosto imenso, por exemplo, de restaurar mobiliário. Só que estou sempre a pensar: "Ah" Esta cadeira dava para um espetáculo." (risos).AGRADECIMENTOS: Teatro Nacional D. Maria II